Raiva
Sinto-me raivoso. Se saltasse do décimo primeiro andar tinha raiva do tempo que meu corpo demoraria a embater na calçada, por isso não será essa a solução que procuro.
Apetece-me bater com os punhos contra uma parede... arrancar os dentes... cometer uma loucura. Abandonar esta selva e rumar para o Túvalo e ser um mendigo.
Porque nasci fora de época?
Sinto-me um peixe vermelho num aquário de peixes indigos. Porque tenho eu de ser diferente?
Porque não consigo ser aquilo que já fui?
Já fui doutra cor. Já soube estar confiante onde agora não consigo entrar com receio das paredes de olhos que me observam e me recalcam.
Porque não consigo ser feliz?
Agradeço a grande fortuna de estar vivo, ao meu arquitecto supremo (embora não seja pouco não sei que mais te agradecer... não perceber porque tenho de sofrer assim). Eu sei que o caminho não se faz num minuto. Eu sei que sou impaciente. Eu sei que confundo ambição com ganância. Eu sei tudo o que quero. Eu sei que não tenho nada.
Hoje passou e estou vivo, mas hoje senti-me o verme mais desprezível da terra, que se arrastou de fora do seu buraco para debaixo de uma pedra onde trabalhou e voltou para o seu buraco, vazio e húmido, sem vida e sem amor.
Sem uma mão que me fez uma festa pelo meu cabelo e me disse que era só uma fase.